sábado, junho 07, 2008

Ponte poética


Imagem colhida hoje, sábado, do pontilhão sobre o arroio Dilúvio, atravessando a avenida Ipiranga, e que vai dar na rua Veríssimo Rosa, via que atravessa o Jardim Botânico e se prolonga até o bairro Partenon.
Apesar do belo sol, pela manhã, o dia acabou nublado e chuvoso, exatamente como previam os boletins meteorológicos.

Ruas Roque Gonzalez e Afonso Rodrigues: a homenagem aos primeiros mártires do RGS










Veja aqui o porquê da sua rua se chamar assim (continuação):

RUA 8 DE JULHO - (a rua do fim da linha da lotação Santana e que segue do Shopping Bourbon até a Salvador França).
Não se sabe exatamente o porquê de tal nome (nem mesmo a Câmara Municipal consegue informar). De qualquer modo, o dia 8 de julho é o dia do padeiro, o dia de São Nunca (quando podem acontecer coisas impossíveis) e também o Dia da Ciência.
A data marca o nascimento da atriz Angélica Houston (foto ao alto), em 1951, e do ator Procópio Ferreira, em 1898.

RUA ROQUE GONZALEZ ( a do colégio Otávio de Souza) - Gonzalez foi declarado santo pelo Papa João Paulo II, em 1988, durante sua visita ao Paraguai. Roque, e seu companheiro Afonso Rodrigues e João de Castilhos. também declarados santos, (gravura) foram mortos pelos índios guaranis em 15 de novembro de 1628. Roque tinha então 52 anos. Jesuítas, os três catequisaram os índios e fundaram várias reduções no Paraguai, Argentina e Brasil, mas acabaram atraindo a ira dos nativos.
Segundo se sabe, Roque era filho de uma família importante de Assunção, e seus companheiros Afonso Rodrigues (outro nome de rua do Jardim Botânico) e João de Castilho vieram da Espanha. Roque, conta-se, morreu com uma pancada de machado de pedra na cabeça. Os corpos dele e de Afonso foram queimados pelos índios. Até hoje são considerados os primeiros evangelizadores do Rio Grande do Sul.

Fundação Estadual de Saúde tem mais de 400 funcionários no seu campus da Ipiranga




Difícil imaginar que aqui trabalhem 420 funcionários, em dois turnos de trabalho, produzindo medicamentos para toda a rede pública de saúde do Estado – analgésicos, anti-hipertensivos, diuréticos e até morfina. Medicamentos estes direcionados ao Sistema Único de Saúde, SUS, das prefeituras municipais e da Secretaria Estadual da Saúde, comercializados sempre a preços mais baratos do que os cobrados pelos laboratórios comerciais.
Localizado na avenida Ipiranga, entre o Bourbon e a Terceira Perimetral, no Jardim Botânico, o complexo da Fundação Estadual de Pesquisa e Produção em Saúde, FEPPS, é um campus não só de fabricação e de pesquisa nessa área como presta serviços ao cidadão comum que, por exemplo, precisa realizar exames para detectar doenças como a tuberculose, o mal de Chagas, dengue ou HIV, entre outros, todos mediante prévia requisição das autoridades médicas. Também está apto a fazer exames de paterminade
Instalado no Botânico há muitos anos, com prédios sendo ampliados e reformados, o campus do FEPPS abriga o Laboratório Farmacêutico e o Laboratório Central do Estado, bem como o Centro de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da área da saúde. Apenas três outros setores da Fundação – o Hemocentro, o Sanatório Partenon e o Informção Tecnológica – é que não se localizam aqui. O orçamento da FEPPS deste ano é de 15 milhões de reais (não contando a folha de pagamento), com um total de cerca de 600 funcionários trabalhando em todos esses locais.
TUBERCULOSE – O grupo de pesquisadores e cientistas que trabalha na avenida Ipiranga compreende cerca de 35 profissionais com formação superior (a maioria com doutorado). Eles são o que melhor há nessa área, tendo desenvolvido, por exemplo, um kit para diagnóstico da tuberculose considerado inovador e completo até por colegas de grandes centros como Rio e São Paulo. “Na área de biologia molecular somos líderes nacionais, e felizmente não temos problemas de defasagem tecnológica. Também estamos completamente informatizados”, informa Alberto Nicolella, pesquisador e médico veterinário que trabalha há 12 anos na Fundação.
Os medicamentos produzidos pelo Lafergs – Laboratório Farmacêutico do Rio Grande do Sul - saem daqui com a marca Lafergs estampada no invólucro e são distribuídos, potencialmente, para todos os municípios gaúchos através da Divisão de Assistência Farmacêutica

sexta-feira, junho 06, 2008

Do Baú: o "cafona" que agora é filme


Ele está bem vivo e agora até virou filme, pelas mãos da mulher de Ciro Gomes, a Patrícia Pilar. Célebre por suas canções bregas - a mais conhecida é "Paixão de um Homem" - Waldik Soriano vendeu babilônias de disco no início dos anos 70, quando até chegou a participar de filmes.

Esta foto foi reproduzida da revista Manchete (que, infelizmente, não existe mais, e era uma boa revista apesar de todo mundo falar mal dela) de dezembro de 1972. Waldik tinha então 39 aninhos. Vejam a figuraça, hoje um "brega-cult". Só faltou o chapéu. O título da matéria era "Waldik Soriano, um cafona no cinema". E hoje?

No tempo dos "cabungueiros", da Chácara das Camélias e da primeira "montadora de veículos"

Mauro Ustra Silva, 59 anos, estofador e chapeador, dono de uma pequena oficina na rua Guilherme Alves, veio para o Jardim Botânico com apenas um ano de idade e viveu quase toda a sua vida aqui.
Um dos moradores da "velha guarda", ele lembra do bairro quando tinha um ar quase rural, com muito verde, muito chão de terra batida, moradores que se conheciam e se cumprimentavam e inúmeras casinhas de madeira habitadas por humildes funcionários públicos e chacareiros, em sua maioria. "Naquela tempo, lá pelo início dos anos sessenta, isso aqui era mais conhecido como a Vila dos Bravos, por causa de uma família muito conhecida e esquentada", recorda. Boa parte deles ainda reside por aqui.
A realidade daqueles tempos era bem diferente da de hoje, logicamente. O bairro, batizado oficialmente de Jardim Botânico (1959), ainda era chamado de Vila São Luiz e não havia asfaltamento em nenhuma rua - nem mesmo na Barão do Amazonas ou na Salvador França, onde hoje passa a Terceira Perimetral. "A Salvador era uma estrada que chão. Quando chovia, virava um barral e muitos automóveis atolavam ali", afirma. Já a Barão do Amazonas - hoje a principal via do JB - contava com um pequeno comércio, com destaque para o armazém do Caboclo, o mais bem sortido. Também existia o armazém da dona Versa, na rua Valparaíso, em uma casa de alvenaria que ainda existe e ainda é ponto comercial. Outros estabelecimentos daquele tempo: o bar e armazém do seu Antonio Mocelin, onde hoje está o centro comercial da rua Felizardo. "Também lembro do bar e armazém do seu Fraga, que era gremista fanático. As crianças, quando o Grêmio perdia, costumavam pintar a fachada de vermelho, deixando o velho enfurecido. Mas quando o Grêmio ganhava ele ficava que era um doce".
Outra informação interessante: a fábrica de carroças do seu Lúcio, uma pequena e artesanal indústria que fabricava não somente carroças como ou demais utensílios para os carroceiros, que então eram numerosos no bairro. Ela estava localizada na Guilherme Alves, nas proximidades da atual paróquia São Luiz, que então não existia, e "foi a montadora de veículos do nosso bairro". Mais distante, também na Guilherme, no alto, havia o Torrão Gaúcho, uma fábrica de rapaduras na qual Mauro chegou a trabalhar quando criança. "O dono era o seu Guimarães".
CHACARA DAS CAMÉLIAS - Por essa época o bairro se notabilizava por ser um grande produtor de agrião e também de flores, plantados em pequenas chácaras e transportados para o Mercado Público em carroças e charretes.
No ramo de flores, um dos mais famosos exibia um nome poético: era a Chácara das Camélias, localizada no alto da rua Guilherme Alves. "Eles plantavam flores, que serviam para fazer coroas de defuntos", esclarece Mauro. A rua Guilherme Alves, naquele tempo, não estava aberta e contava unicamente com uma estreita ligação com a avenida Protásio Alves, uma picada por onde não transitavam carros e sim carroças. Onde hoje está o Condomínio Residencial Felizardo Furtado havia uma chácara de agrião - também vendido no Mercado Público. "Outra chácara ficava perto, onde hoje estão sendo construídos os dois grandes edifícios da Rossi. E perto da praça Nações Unidas tinha a chácara da família Pieretti".
O lazer, naquela época, era pouco e simples: reuniões dançantes, quermesses, jogos de futebol, bailes. Mauro recorda do clube Universal - que não mais existe - e seus dois campinhos de terra, situados onde hoje está o shopping Bourbon. Outro time era o Esporte Recretivo Americano, presidido por seu Murilo. Porém já existia o campo do Ararigbóia, palco de torneios memoráveis que, não raro, acabavam em pancadaria.
Nesse tempo o bairro não tinha a mínima infra-estrutura, incluindo aí o esgoto. "O recolhimento do esgoto era feito pelos cabungueiros, ou cubeiros, que passavam e recolhiam os cubos com os dejetos". Por sua vez, os alagamentos eram constantes e, à noite, a iluminação pública deixava muito a desejar. "Mas não havia assaltos naquela época, até porque o pessoal respeitavam a polícia", afirma Mauro Ustra.
"Mas o que eu tenho mais saudades mesmo é dos banhos e pescarias no arroio Dilúvio, que era limpinho e onde a gente costumava pescar bagres, tão limpo que dava para ver o fundo. Perto da PUC havia o "Banheiro dos padres", a nossa praia. O riacho, naquele tempo, não era canalizado e a Ipiranga nem estava pronta.", rememora o estofador.
* Para saber mais sobre o bairro - a história da ESEF, da Fundação Zoobotânica, do DEPPS, do Bourbon etc - clique em postagens do mês de "Abril". Para ler sobre crimes, tragédias, calamidades e histórias de pessoas célebres clique em "2006".

quinta-feira, junho 05, 2008

Os significados dos nomes das nossas ruas


O Jardim Botânico tem ruas com nomes sonoros e expressivos - Chile, Buenos Aires, Valparaíso, Itaboraí, Barão do Amazonas etc. Veja abaixo o significado de algumas delas, onde muitos de vocês residem ou trabalham.
A rua 18 de Novembro, aquela ao lado do Bourbon e onde está a churrascaria do 35 CTG, bem que poderia, por exemplo, homenagear Jimi Hendrix, o músico genial, falecido nesse dia, em 1970. Mas homenageia mesmo é a rendição dos inimigos na Guerra do Paraguai.

BARÃO DO AMAZONAS – Rua que atravessa os bairros Petrópolis e Partenon. Começa na Protásio e acaba na Paulino Azurenha, com mais de 3 km de extensão. Na Planta Municipal de 1916, convergiam para a atual Bento Gonçalves duas pequenas vias, que eram então novas e de pequena extensão: a própria Barão, vinda dos lados do Arroio Dilúvio, e a avenida Esmeralda, que subia até a meia encosta do morro de Santo Antonio.
Até a década de 30 essa duplicidade de nomes continuou. Com a unificação, pela lei de 6.7.1936, mudou-se a denominação de avenida Esmeralda para Barão do Amazonas. Com o desenvolvimento de Petrópolis, esta rua prolongou-se até a Protásio Alves e, no sentido oposto, do Partenon, subiu o morro e superou a crista, descendo no rumo da Glória, até se encontrar com a Paulino Azurenha.
O nome é uma homenagem ao Almirante Francisco Manoel Barroso, o Barão do Amazonas.

GUILHERME ALVES - Atravessa os bairros Jardim Botânico e Partenon. Começa na Ferreira Viana, passa pela Ipiranga e acaba na rua Mario de Artagão, Partenon. Aparece na planta de 1916 com o nome de rua Progresso. Pela lei número 2, de 6.7.1936, ganhou a denominação atual.
Guilherme Alves, para quem não sabe (e poucos sabem), foi o primeiro construtor dos grandes e modernos trapiches na rua 7 de Setembro, no centro de Porto Alegre, aqueles mesmos armazéns que mais tarde passaram a ser propriedade da Cia Costeira. Graças à sua iniciativa, foram construídas várias edificações residenciais no Partenon, precisamente na atual rua Guilherme Alves, que ele organizou e construiu.
O progresso da rua foi vindo aos poucos. Na planta de 1928, era apenas um logradouro do Partenon, sem ter ainda ultrapassado o Arroio. Na planta de 1949 já se achava plenamente instalada no Jardim Botânico.

FELIZARDO - Jorge Godofredo Felizardo nasceu em 9.11.1901, em Porto Alegre, e faleceu em primeiro de fevereiro de 1966. Foi engenheiro agrônomo, professor catedrático de Zoologia da Faculdade de Agronomia da URGS e do curso de História Natural da Faculdade de Filosofia da PUC, além de allto funcionário da Secretaria de Agricultura. Foi ainda genealogista e membro do Instituto Histórico e Geográfico do RS.

18 DE SETEMBRO – A data marca a rendição do Paraguai, na Guerra do Paraguai, quando forças paraguaias, cercadas pelo exército brasileiro, em Uruguaiana, se rendem sem condições. Dezenove anos depois, para comemorar o fato, foram libertados todos os escravos existentes na cidade. Conforme os registros da História, no dia 18 de Setembro aconteceu também, em diferentes anos, os seguintes feitos: o brasileiro Amyr Klink completa, em 1984, a travessia do oceano Atlântico em um caíque, sua primeira de muitas proezas; o governo militar senciona a Lei de Segurança Nacional, em 1969, prevendo inclusive pena de morte, prisão perpétua e banimento; em 1946, a teceira constituinte brasileira promulga a Constituição Brasileira.
É também o Dia dos Símbolos Nacionais, Dia do Perdão.
Santos do dia: José de Copertino, Metódio de Olimpo, Ricarda.
Curiosidades: em 18 de setembro de 1950 entrou no ar a TV Tupi, de São Paulo, dando início à Era da TV no Brasil. Só havia tevê então em quatro países: EUA, Inglaterra, Holanda e França.
Em 18 de novembro morre Jimi Hendrix, em 1970. Nasce Greta Garbo, em 1905. É também o dia da fundação da Central Inteligency Agency, CIA, em 1947, e da fundação do jornal New York Times, em 1851. O Chile comemora sua Independência neste dia, no ano de 1818.

quarta-feira, junho 04, 2008

Condomínio da CORSAN surgiu em 1974


Mais antigo do que o conjunto Felizardo Furtado, o Condomínio Conjunto Habitacional dos Servidores da CORSAN foi inaugurado em maio de 1974. São três prédios, totalizando 319 apartamentos de um e dois dormitórios, além de um salão de festas, uma churrasqueira, uma quadra de esportes, uma pracinha e uma construção destinada ao setor administrativo.

Entre as ruas Itaboraí e a Felizardo, vizinhando com a Praça Nações Unidas, com oito andares cada, as três construções chamam a atenção de quem passa. Boa parte dos atuais moradores – cerca de 1200 pessoas - estão aqui desde os primeiros anos, como é o caso da síndica-geral (não existem síndicos por prédios), Inajara Silveira.

“Vim para cá em julho de 1974. Lembro que foi feita uma cooperativa dos funcionários da Corsan, que começaram a pagar as prestações dois anos antes, quando do lançamento. Eu comprei o meu de um deles”, recorda ela. “Eles vendiam na planta”. A construtora responsável era a Gus Livonius, a mesma que fez o condomínio da Felizardo e que hoje, ao que tudo indica, não está mais operando no mercado. Quanto aos terrenos, pertenciam então ao senhor Pedro Pieretti – tradicional família do bairro.
ESTUDANTES – Em estilo antigo, cercado, sólido, com janelas de madeira, pintadas de verde, o Condomínio é formado, basicamente, por proprietários dos imóveis – cerca de 60 ou 70% dos moradores. Estes, em sua maioria, são pessoas de certa idade, “gente que chegou e foi envelhecendo aqui”, informa Inajara, moradora do Jardim Botânico há 40 anos. Ela recorda que por essa época, metade dos anos setenta, onde hoje está o Supermercado Gecepel havia o Supermercado Dalmás. Na volta, dos comerciantes, lembra do seu Alécio, do seu Camilo, do seu filho Zeca, da Padaria da Esquina com a Barão, da Farmácia Ideal, da Léa”.
Habitação tipicamente de classe média, o Condomínio tem alterado o seu perfil nos últimos anos, revela Inajara Silveira.

“Noto que temos muitos estudantes, muitos deles vindos do interior, que alugam os apartamentos entre três ou quatro. Há também gente do interior que compra para os filhos”. Mesmo assim, não há maiores problemas de violência ou confusão entre os moradores, grande parte dos quais se conhece e se cumprimenta. Algumas câmeras de vigilância estão instaladas em pontos estratégicos (mas não nos elevadores) e foi contratada uma empresa especializada nisso – a Dielo.
Outra antiga moradora é dona Vírginia Odiva dos Santos, secretária da administração que está aqui desde os anos oitenta. Segundo ela, a procura pelos apartamentos do conjunto é muito superior à oferta, tanto que, hoje, praticamente não resta nenhum que não esteja ocupado. “Com a chegada do Bourbon, valorizou muito”. A valorização só não é maior pelo fato de só existirem 85 boxes de estacionamento de veículos, o que obriga muitos moradores a deixarem seus carros em estacionamentos pagos situados nas imediações.

terça-feira, junho 03, 2008

Avenida Ipiranga, com a Barão: trânsito

Cena da Avenida Ipiranga com a Barão do Amazonas, sobre a ponte do Arroio Dilúvio, ligação entre o Botânico e o Partenon, hoje, terça-feira, às 17h10min.
O tempo fechado, com uma intermitente garoa fina, e a anunciada chegada de um "ciclone extra-tropical" para as próximas horas, deu uma cara enfarruscada ao dia, de muita pouca luz. Mesmo assim, uma nesga de sol acrescentou um toque poético ao fétido riacho.
Neste vídeo, porém, o que se nota é o grande número de veículos (e nem era hora do rush) e o movimento de uma esquina que, não faz muito, não era isso tudo em matéria de trânsito e nem em comércio. Mas o aumento no número de automóveis em Porto Alegre - fenômeno notado especialmente no último ano - tem transformado o Jardim Botânico em uma importante via de passagem da cidade. E os empresários já sabem disso, a ver-se pelos novos empreendimentos que surgem a cada semana.

Gripe Espanhola, 1918, o vírus contagioso que matou milhares de pessoas em Porto Alegre

Capa de uma revista de 1918.
Mais abaixo, fotos do cotidiano da população em um tempo em que as doenças epidêmicas matavam milhões de pessoas em todo o mundo e a saúde pública brasileira e gaúcha era simplesmente o caos.
Leia esta pesquisa inédita publicada pelo Conselheiro X., com base nos jornais da época. Mais matérias sobre calamidades, crimes e tragédias célebres você encontra clicando em postagens de "2006": a história da Apolo 13, o caso Paulinho Paikan, a Talidomida, desastres aéreos e a vida de pessoas como Frank Sinatra e Isadora Duncan
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Outubro de 1918
Chegou a “Hespanhola”

Pesquisa e texto de Vitor Minas

Nunca se viu nada igual: a rua da Praia vazia, as casas comerciais fechadas, os bares e os cafés desertos, os bondes elétricos paralisados, os colégios sem alunos ou professores e a entrega de correspondência suspensa. O desabastecimento atingia toda a cidade – faltavam remédios, leite, lenha, gasolina e gêneros alimentícios e tudo encarecia do dia para a noite. Cortejos fúnebres se encontravam nas esquinas; nos cemitérios detentos condenados substituíam os coveiros que morriam em serviço. Mesmo assim, os caixões disponíveis eram insuficientes para tantos óbitos e centenas de pessoas eram sumariamente enterradas em valas coletivas, enquanto dezenas de corpos amontoavam-se à espera de sepultamento. A cada edição os jornais publicavam a relação oficial dos mortos. Havia cenas de histeria pública, os casos de suicídio aumentavam e ninguém se sentia seguro em parte alguma. Quem podia abandonava a cidade em busca de ares mais saudáveis. Nas calçadas os raros transeuntes seguiam a passos apressados. Dos sinos da igreja matriz partiam dobres tristes anunciando novas vítimas da “influenza espanhola”, a maior pandemia da história da Humanidade, com um bilhão de infectados, a metade da população da época, e cerca de 20 milhões de mortos. Somente no Brasil foram mais de 300 mil óbitos, dos quais18 mil no Rio de Janeiro.
A Grande Guerra Mundial iniciada quatro anos antes estava para terminar. Faminto e debilitado, o Velho Continente transformara-se em um território propício a toda espécie de doenças. Na América, no Brasil arcaico e rural da Velha República, grassavam a tuberculose, a varíola, a varicela, o tifo, a escarlatina, a malária, a sífilis, a lepra. Em Porto Alegre, de cada 1.000 bebês mais de 300 morriam antes de completar 2 anos.
LEITE FALSIFICADO - A capital gaúcha , com 170 mil habitantes, era então um amontoado de casas velhas e vielas estreitas e escuras. A água municipal não recebia qualquer tratamento e, nos dias de chuva, as torneiras despejavam uma desagradável mistura da cor do barro, embora a maioria da população se valesse do serviços dos aguadeiros - ou “pipeiros”. A rede de esgoto servia tão somente os bairros nobres – Independência, Duque de Caxias, parte do Menino Deus - o recolhimento de lixo não seguia nenhuma diretriz rigorosa e as fétidas “casinhas” externas desempenhavam o papel de vasos sanitários. Comerciantes inescrupulosos vendiam alimentos falsificados ou deteriorados: carne velha, pão feito de fava e milho, pimenta do reino misturada a pó de sapato, leite aguado e manteiga rançosa. Não bastasse, vivia-se uma aguda crise econômica, com carestia, endividamento, inflação, greves operárias em São Paulo e insatisfação generalizada.
A “influenza” chegaria ao País em meados de setembro a bordo dos navios que vinham da Europa. Das capitais litorâneas ou portuárias – Belém, São Luís, Fortaleza, Recife, Salvador, Rio - rapidamente estendeu-se para os quatro cantos do território nacional. Chegou a pontos remotos da “hinterland” brasileira, não poupando cidades, vilas, de sul a norte, matando e dizimando tribos inteiras da região amazônica. Com quase 1 milhão de habitantes, clima insalubre e alta densidade demográfica, a Capital da República transformou-se em um vasto hospital. Centenas de pessoas morreram diariamente entre outubro e novembro e 70% da população caiu de cama, acometida da estranha moléstia cuja origem, afinal, ninguém precisava. Em São Paulo foram 350 mil infectados – 65% da população – e 5100 mortos oficialmente contabilizados. Da virulenta peste sabia-se apenas que era diferente de tudo o que até então se vira e que provavelmente se originasse da Espanha, convencionando-se então chamá-la de “gripe” ou “influenza hespanhola”, embora nenhuma nação - muito menos a própria Espanha (que a cognominou “febre russa”), assumisse a paternidade. Na Rússia foi denominada de “febre siberiana”, na Sibéria de “febre chinesa” e na França de “catarro hespanhol”. Fez 5 milhões de vítimas fatais na Índia e 450 mil nos Estados Unidos. Espalhando-se rapidamente pelos quatro cantos do Mundo, matou os primeiros brasileiros na costa da África, em setembro de 1917. Do efetivo de 2 mil militares da Divisão naval – dois navios de patrulha e uma missão médica - que, tardiamente, iriam participar da Grande Guerra(o conflito acabou um dia depois da chegada ao front), 90% foram atingidos pela doença e mais de cem morreram nas proximidades de Dakar, no Senegal.
Por mar a moléstia aportou na costa brasileira e logo fez morada nas principais cidades litorâneas. No início de outubro a Capital Federal sucumbiria à doença.
Em seu livro de memórias “Chão de Ferro”, o médico e escritor Pedro Nava descreve o que foram aqueles dias na cidade do Rio de Janeiro.
“Além da fome, da falta de remédio, de médicos, de tudo, as folhas noticiavam o número nunca visto de doentes e cifras pavorosas de obituário. As funerárias não davam vazão – havia falta de caixões. Até de madeira para fabricá-las(...) Era muito defunto para os poucos coveiros do trivial – assim mesmo desfalcados pela doença. Foram contratados amadores a preços vantajosos. Depois vieram os detentos. (...) Era de ver as ruas vazias cortadas de raro em raro pelos rabecões e caminhões de cadáveres(...) Um ou outro passante andando como se estivesse fugindo e trazendo no rosto a expressão das figuras do quadro de Eduard Munch: Angst. Isso mesmo, angústia: faces de terror, crispações de pânico, vultos de luto correndo, pirando, dando o fora e, no fundo, um céu vangogue sangue ocre.”
ELA CHEGOU A BORDO DOS NAVIOS - Oficialmente a espanhola chegou ao Rio Grande do Sul no dia 9 de outubro, uma quarta-feira, a bordo do navio Itajubá, vindo do Rio de Janeiro: 38 de seus tripulantes apresentavam os sintomas da febre. Ao atracar em Rio Grande, seu comandante comunicou o fato às autoridades portuárias, descrevendo, sucintamente, uma febre de “caráter benigno”. Por sua vez as autoridades sanitárias gaúchas limitaram-se a examinar os tripulantes, para isolá-los em seguida. O navio foi desinfetado e – como de praxe - o fato comunicado ao Palácio Piratini.
Três dias depois o navio Itaquera – que, devido à doença, havia sido impedido de atracar em portos do Paraná e Santa Catarina – chegou a Rio Grande, transferindo-se seus 32 doentes para o lazareto da cidade. Cumpridas as formalidades sanitárias, o vapor prosseguiu viagem pela Lagoa dos Patos, chegando a Porto Alegre a 14 de outubro. Dois dias depois, com outros 7 doentes confirmados, atracava no cais da Capital o navio de cabotagem Mercedes, do Lloyd Brasileiro, procedente de Rio Grande. Não havia nenhum médico a bordo e somente 48 depois da chegada seus tripulantes seriam postos em isolamento. No dia 17 finalmente atracou na Capital o Itajubá, trazendo consigo os tripulantes que haviam sido submetidos a uma curta quarentena em Rio Grande.
No dia 18, por fim, surgiram notícias de alguns casos da estranha gripe, com três registros em pontos diferentes; um funcionário da higiene Pública e mais dois homens pediram espontaneamente para serem isolados. Uma moça também compareceu à Diretoria de Higiene do Estado apresentando os mesmos sintomas dos demais: calafrios em todo o corpo; prostração intensa; febre que chegava a 40 graus; dores musculares, dores de cabeça e na barriga, nos olhos, nos ombros, nas costas, nos rins e nas pernas; catarro abundante e muita tosse, além de sensibilidade extrema à luz, náuseas, vômitos, calor no rosto, vertigens e lágrimas. A tais sintomas acrescentava-se uma profunda depressão psíquica e, muitas vezes, sensíveis alterações cardíacas ou respiratórias que levavam à morte.
Nos dias 20 e 21 seriam notificados mais 12 casos suspeitos, todos, ressaltavam as autoridades gaúchas, “benignos”. Outros quatro caixeiros viajantes recém chegados à cidade também apresentavam os mesmos sintomas. No dia 23 somavam 21 pessoas recolhidas ao isolamento. Em outra porta de entrada do Estado, na mesma data, comunicava-se o fato extraordinário às autoridades da Capital: à exceção de um telegrafista, todos os funcionário da estação de trens de Marcelino Ramos, na divisa com Santa Catarina, haviam caído vítimas da “influenza”. Em poucos dias, no Hospital da Brigada, na Capital, baixaram, vítimas da febre, mais de 30 praças. Outros 130 soldados foram colocados em isolamento compulsório. Depois de percorrer mundo, a gripe espanhola era também gaúcha.
A “IMUNDICIE” DA SANTA CASA- Em 1918 o intendente José Montaury, do Partido Republicano Riograndense, comandava a municipalidade. Espécie de títere do presidente do Estado, o caudilho Antonio Augusto Borges de Medeiros, Montaury, um fluminense nascido em Niterói, assumiu o cargo em 1897 e exerceu-o por longos 27 anos, período no qual não faltaram os mais variados surtos epidêmicos. A última fora a de varicela, em 1916.
Ainda que uma das mais populosas cidades brasileiras a Capital do Rio Grande do Sul resumia-se então ao centro e alguns bairros de difícil acesso. Os carros de praça “motorizados” competiam com outros movidos a parelhas de cavalos e aos bondes elétricos. Via-se as comédias mudas de Carlitos e no final da tarde fazia-se o “footing” na rua da Praia, com homens de chapéu e bengala e mulheres de grandes e pesados vestidos. A Confeitaria Rocco, na Riachuelo, o Café Colombo, na Andradas, o Chalé da Praça XV, a Livraria do Globo, os cine-teatros Guarani – o mais “luxuoso” – e o popular Apolo, o Petit Casino, o Clube do Comércio, o Germania, o Caixeiral, o Clube dos Caçadores(na verdade, um cabaré) e o Hipódromo do Moinhos de Vento incluíam-se entre os pontos de referência da sociedade mundana da época – industriais, comerciantes, funcionários públicos, advogados, jornalistas, poetas, boêmios e desocupados em melhor situação financeira. Os principais jornais - Correio do Povo, A Federação, A Gazeta do Povo e O Independente, recebiam, via cabo submarino, os acontecimentos do restante do mundo que os leitores liam com dias de atraso. As revistas Kodak e “Máscara” – de entretenimento, cultura e variedades - douravam a vida social e cultural da capital e das principais cidades gaúchas: Pelotas, Rio Grande, Bagé, Santa Maria. Havia futebol – ou “matchs” - aos domingos e pescarias e esportes náuticos no rio Guaíba, cujas águas, limpas e calmas, espraiavam-se até a Cidade Baixa. As noites eram previsivelmente calmas e escuras – a iluminação elétrica ainda convivia com os velhos lampiões dos postes. Comandadas pelo doutor Mário Totta, as famílias mais chiques veraneavam no “arrabalde” da Tristeza e a praia da Pedra Redonda, um dos cartões postais da cidade, servia de cenário para concorridas festas e saraus onde não faltavam intelectuais e escritores como Augusto Meyer, Olyntho Sanmartin, Teodomiro Tostes e afetados poetas parnasianos. No centro, à noite, pontificavam os discretos “rendez-vous” e cabarés mais caros com as necessárias mulheres francesas e polacas. Quase tanto quanto a tuberculose – a penicilina surgiria somente dali a 10 anos - a sífilis impunha cuidados e cobrava seu preço aos moços desprevenidos. A cidade dispunha de seis precários hospitais e quatro médicos voltados ao atendimento público em igual número de postos de saúde. Por seu lado, o Departamento de Higiene, com 56 funcionários em todo o Estado e duas ambulâncias e seis carroças na Capital, pouco tinha a oferecer. Os médicos mais renomados – Sarmento Leite, Mário Totta, Jacinto Gomes, Ivo Corseuil, Landell de Moura e Protásio Alves, hoje nomes de ruas e avenidas – dividiam-se entre a clínica estabelecida e o atendimento familiar a domicílio. Os portoalegrenses abastados, contudo, tratavam-se em casa, evitando a promiscuidade, a sordidez, as infecções e a imundície dos quartos da Santa Casa, “um atentado à higiene”, na descrição do doutor Mário Totta. Fiel ao imaginário da época e às noções da medicina do início do século, as mães fortificavam e depuravam seus filhos com Emulsão de Scott e óleo de rícino, reputação milagrosa e restauradora dividida com os “banhos de mar” (naquele ano inaugurava-se o “luxuoso” balneário do Cassino), e os bons ares da serra e do litoral, embora todo o cuidado fosse pouco para evitar-se os mortíferos “golpes de ar”.
Na última semana de outubro esta simplória Porto Alegre transformou-se subitamente em uma cidade enferma. Nem mesmo os esforços irritantes e patéticos do Governo positivista de Borges de Medeiros, para o qual não havia motivos de alarma ou pânico, já que a gripe, a princípio, não mostrava-se tão virulentamente fatal, evitaram que a população se apercebesse claramente da extensão da epidemia: chegara à cidade a peste que viera da Europa.
De súbito, hordas de populares aglomeraram-se às portas das farmácias, disputando toda espécie de medicamentos indicados para a prevenção da doença, em especial o quinino, que havia se mostrado eficaz em outras ocasiões. Os estoques do produto, de purgantes, de óleo de rícino e mesmo as sortidas de limão e pencas de cebola vendido nas feiras e armazéns sumiram do mercado ou encareceram de forma exorbitante. Os balconistas das farmácias – aqueles que mantinham-se de pé - não descansavam um só instante. Hospitais como a Santa Casa de Misericórdia – abrigando um terço dos doentes do Estado – recebiam levas de novos pacientes, acomodados à maneira possível. À falta de leitos improvisavam-se toscas enfermarias e o Governo – finalmente reconhecendo a situação mas fugindo à sua real extensão e gravidade – passou a organizar hospitais improvisados e equipes de emergência para percorrer as residências e levar assistência médica à população pobre. Recomendava-se, a princípio, cama, higiene e repouso, além de limpar a boca e as fossas nasais várias vezes ao dia com uma lavagem de água e sabão, sem esquecer dos proverbiais gargarejos com água oxigenada ou boricada. Os portoalegrenses, no entanto, apelavam para tudo que estivesse ou não estivesse à mão – chá de eucalipto, cachaça com mel e limão, aspirina, suco de cebola, vinho, caldo de galinha, purgantes, infusões, preces, benzimentos, promessas, talismãs. O uso abusivo do quinino não raro causava intoxicações, com prejuízos irreparáveis à audição e à visão. Charlatões, curandeiros e vivaldinos encontravam terreno fértil para a venda dos mais bizarros produtos ou receitas: pílulas, chocolates, filtros de água e até cigarros que “preveniam ou afastavam o mal”.
A partir de 21 de outubro haviam sido registrados os primeiros óbitos. Os jornais da Capital, habitualmente voltado à cobertura da Grande Guerra e aos acontecimentos políticos no Rio de Janeiro, abriram suas páginas para a evolução da “peste”. No início de novembro informava-se que a Escolha de Engenharia, o colégio Sevigné, o colégio Militar, Ginásio Anchieta e outros estabelecimentos de ensino da cidade haviam decidido suspender as aulas e adiar os exames finais. Sem movimento de público, o comércio e as repartições fechavam suas portas e os teatros e os cinemas comunicavam a suspensão dos espetáculos. Na tradicional Confeitaria Rocco a maioria dos empregados caíra doente.
CIDADE TINHA "ASPECTO FÚNEBRE" - Na Livraria do Globo 62 funcionários contraíram a influenza e o Correio do Povo passou diariamente a oferecer vagas de entregador em substituição àqueles que iam sendo atingidos pela epidemia. O “turbilhão’ da rua da Praia deu lugar a calçadas vazias. Sem carteiros, os Correios suspenderam as entregas e a Companhia telefônica, desfalcada de 285 funcionários, pediu à população que só fizesse uso do telefone em caso de extrema urgência. Os guardas desapareceram das esquinas, os horários dos bondes foram suspensos ou adiados, a Assembléia Legislativa cancelou as suas sessões ordinárias. A Companhia Força e Luz ficou sem foguistas. Todos se recolhiam mais cedo, evitando contatos. “A cidade tem durante o dia um aspecto doloroso e à noite este aumenta, tornando-se fúnebre. Raro é o transeunte que anda. Os cafés, os bares, tudo escuro, dando à Capital a forma de uma cidade morta e sem vida”, escreveu o jornal O Independente em seu número de primeiro de novembro. Temendo o contágio ou já atingidos pela doença, até os costumeiros leiteiros que vinham da periferia deixaram de vender o produto às portas das residências.
À aproximação do feriado de Finados, as autoridades alertavam as pessoas para que não fossem aos cemitérios, a fim de evitar aglomerações e o possível contágio. Inicialmente pensou-se que o vírus pudesse ser transmitido pela água, ou até mesmo pelo ar. “O pavor coletivo, o alarma social, se está tornando mais grave do que a própria epidemia. Alguns suicídios o demonstram”, escrevia o jornal A Federação, vinculado ao governo de Borges de Medeiros. O Dr. Mário Totta advertia: “Em todas as epidemias são justamente os que mais medo têm são os que mais depressa são levados de lufada”. Os padres oficiavam missas, pedindo a Deus o afastamento da “peste”, os clubes decidiram suspender as partidas de futebol e nas páginas dos jornais surgiam anúncios de remédios miraculosos contra a doença. Já as autoridades municipais e estaduais insistiam em pedir calma à população, ao mesmo tempo em que apregoavam que a situação estava sob controle e que a epidemia já mostrava sinais de refluxo. “Povo! Não devemos entregar-nos à morte, sem nada fazer pela vida: devemos esforçar-nos para combater o mal”, concitava o boletim da União Metalúrgica distribuído à população.
Em sua edição de 5 de novembro a revista Máscara insistia na tese de que o pior já passara e que dentro em breve a cidade voltaria à normalidade.

“E esqueçamos...
“Conforme previmos em nosso número passado, a epidemia entrou em declínio em princípios desta semana. As notas fornecidas pela Diretoria de Higiene da imprensa foram sempre as mais animadoras, o que faz supor a estas horas que os casos novos da gripe sejam raros. E agora, que tudo promete voltar à normalidade, agora que a nossa cidade lembra um hospital, tal é o número de convalescentes que se arrastam pelas calçadas, com as faces cavadas e pálidas, os olhos fundos e abatidos, agora que um frisson de vitória abafa a nossa alma, mesmo os que fremem em corpos combalidos, e nosso dever afastar o mais possível da recordação popular esses tristíssimos dias de angústia e sobreexcitação nervosa a fim de que possamos beber novamente a grandes haustos a vida que o “anjo da paz ‘ promete dulcificar.(...)”


A realidade, contudo, revelava-se bem diferente, e a própria imprensa tornaria a adotar tons sombrios. A 9 de novembro o Correio do povo noticia: “Das 18 horas de ante hontem às 18 horas de hontem foram registrados nesta Capital 32 óbitos de pessoas que faleceram em consequência da “influenza hespanhola”. Na lista dos falecidos “em domicílio” constavam pessoas de todas as idades e moradores das principais ruas da cidade: Juvenal Faria Dias, de 29 anos, residente à rua General Auto, 35; Sabina Antonia da Silva, 50 anos, moradora do número 123 da rua José de Alencar; Angela Teixeira Nunes, da rua Ramiro Barcelos, 133, "menina Catharina, filha de Ariosto Menezes, rua Lima e Silva, 147-B; Jorge Anto, residente no Hotel Lagache; Rubens Santos, de 32 anos, morador da rua Aquidaban, 9; “menino Alziro”, filho de Frederico Castro, com endereço à rua Santa Luíza, 66; Antonio Monteiro, morador da rua Moinhos de Vento, 70; Antonieta Rabello Gorfmann, residente à rua Fernandes Vieira, 36; Bibiana Rodrigues, 20 anos, “mixta, solteira, residente à rua Santana, 7”. Na edição do dia 11 a lista incluía, dentre os óbitos em domicílio, os seguintes nomes: Carlos Albuquerque, 52 anos, residente à rua Andrade Neves, 6; Carlos Haesbaeri, 39 anos, morador da rua Garibaldi, 32; Dante Matteoli, 17 anos, rua Castro Alves, 156; Mathilde de Michaelsen Wolff, 43 anos, da rua General Vitorino, 13. Na mesma data nominava-se a ocorrência de novos casos da doença: “Ontem enfermaram sete pessoas da família do major Edmundo Arnt; a exma. Esposa do Dr. Joaquim Gaffrée; o Dr. Gaspar Saldanha, sua senhora e três filhos; sete pessoas da família do major Labieno Jobim; “o nosso colega Lourival Cunha, da Kodak”(revista); as senhoritas Aracy, Júlia, Odette e Nayr Bacellar, filhas do capitão Bacellar Júnior”. Uma pequena nota, vinda de Buenos Aires, onde também grassava a gripe, informava de uma campanha de combate às moscas – “veículo de imundícies de toda espécie e transmissora de várias moléstias”- desencadeada pelas autoridades portenhas junto à população.
A GRIPE ATRÁS DAS GRADES - Dos mais de 600 detentos da casa de Correção metade estava enferma, informava o Dr. Ivo Corseuil, médico da diretoria de Higiene. Nas residências, a gripe não poupava vítimas mais ilustres: o Dr. Jacinto Gomes, diretor da enfermaria de Gripados da Santa Casa de Misericórdia, contraíra a gripe e teve que ser substituído. No dia 10 de novembro o Correio do Povo, em sua coluna de necrologia, destacava o sepultamento de algumas figuras da sociedade portoalegrense:

“Com grande acompanhamento, realizou-se ontem o enterro do doutor Álvaro Nunes Furtado, clínico residente, nesta capital, e que, como noticiamos, faleceu vitimado pela influenza hespanhola”

“Faleceu ontem, nesta capital, vitimado pela influenza hespanhola, o jovem Antenor Maciel Júnior, filho do tenente Antenor Maciel.
“O infortunado jovem que, com bastante brilho, fazia o curso do Colégio Militar, deixa profunda saudade entre o grande número de seus colegas, no seio dos quais se fazia estimar.
“Ele era natural de Uruguaiana, onde também contava com um grande círculo de relações.
“O enterro, realizado ontem mesmo às 16 horas, esteve bastante concorrido, vendo-se sobre o caixão mortuário grande número de coroas”.

Dia 13, uma quarta-feira, a Empresa de navegação Cahy comunicava a suspensão de todas as viagens ao longo do rio “visto a maior parte dos seu empregados estarem enfermos”. No mesmo dia um anúncio de rodapé, na capa do Correio do Povo, oferecia um novo e rápido serviço de impressão: “Nas oficinas desta folha apromptam-se com presteza convites para enterro”. Vários funcionários da casa – incluindo jornalistas – estavam enfermos.
Da distante Europa vinham notícias mais alentadoras, publicadas pelo mesmo diário, e que repercutiam em todo o Estado, especialmente na região colonial italiana: fora assinado o armistício no dia 11 e a Grande Guerra que matara mais de 10 milhões de pessoas chegara ao seu final. A Itália estava entre os países vencedores.

“Garibaldi, 12 – Esta vila está em festa com a notícia da assinatura do armistício com a Alemanha. Sobem ao ar girândolas de foguetes. Os sinos repicam. Bandas de música percorrem as ruas. Quase todas as casas estão embandeiradas. Reina grande alegria.”

Os jornais noticiavam a derrota da Alemanha, a fuga do kaiser Guilherme II e, no Rio Grande do Sul, a influenza espanhola que, em vez de declinar, seguia em crescendo. Cortejos fúnebres de pessoas a pé, segurando os caixões aos ombros, cruzavam-se a caminho dos cemitérios, os coveiros trabalhavam sem interrupção, nas casas e cortiços improvisavam-se rápidos velórios. Prostrados e reclusos em seus barracos, os moradores mais pobres viravam-se como podiam em tais circunstâncias. Famílias inteiras adoeciam e os poucos em condições de caminhar percorriam quilômetros a pé para disputar os donativos distribuídos às portas de algumas instituições filantrópicas – igreja católica, maçonaria, centros espíritas. À peste somava-se agora a falta de alimentos e a especulação desenfreada dos preços praticada por comerciantes e aproveitadores. “Está tudo pela hora da morte”, constatou o jornal Gazeta do Povo em 11 de novembro. Leite e aves sumiram do mercado, a canja de galinha passou a custar os olhos da cara, a lenha para os fogões dobrou de preço e até os aluguéis dispararam. Os diários locais imploravam por entregadores, os médicos não dispunham de gasolina suficiente para abastecer seus carros e visitar os doentes mais distantes e as farmácias vendiam quinino e óleo de rícino como se fossem especiarias. A cadeia produtiva fora interrompida pela epidemia e a cidade, paralisada, não encontrava forças para reagir. O que havia em remédios e alimentos não bastava para uma época , sob todos os aspectos, absolutamente anormal.
AUTORIDADES CENSURARAM A IMPRENSA - A censura à imprensa imposta pelas autoridades estaduais(incomodadas pelas críticas à ineficiência e morosidade das medidas de combate à epidemia) a partir de primeiro de novembro não calava o pavor coletivo e – em evidente efeito contrário - só fazia aumentar os boatos a respeito da mortandade. O Correio do Povo que, assim como os demais veículos, recebera a ordem de não publicar a lista diária das vítimas da gripe, após informar da determinação aos seus leitores optara, em protesto, por deixar colunas em branco. Particularmente visado pela censura borgista, o jornal insistia em apontar as ineficiências e morosidades no combate à epidemia e as falhas no socorro à população mais pobre, que, a par da doença, sofria com a fome e da desassistência. Famílias inteiras estavam acamadas, sobrevivendo do pouco que ainda possuíam em casa. Os que encontravam forças de sair às ruas apelavam para os donativos – feijão, café, açúcar, banha – distribuídos pela Maçonaria, pela Federação Operária do Rio Grande do Sul ou por alguns comerciantes mais generosos ou em melhor situação financeira. O clima geral era de pânico.
“O boato no Coração da Cidade
“(...) Eu vi com estes olhos cinco mortos na rua dos Andradas, disseram-me que os coveiros cavam noite e dia as sepulturas; “Fulano(que está vivo e um poucochinho doente) acaba de morrer...” e outras e outras afirmações que só a polícia correcional podia evitar.
“Desta forma andam pelas ruas, ilesos, os ‘boateiros”, explorando a situação enferma da cidade, acendendo perigo onde não existem(...)”( Máscara, 23 de novembro)


A partir da segunda metade de novembro, descrente das autoridades, a população falava em centenas ou mesmo milhares de mortos diários. A epidemia fugia a qualquer controle e a relação dos óbitos fornecida pela Secretaria de Higiene voltou às páginas dos diários. Ignora-se contudo os falecimentos sem assistência médica, numerosos nos bairros pobres.
Se até ali, de modo geral, a imprensa oficialista insistia no progressivo recuo da epidemia, atribuindo todas as culpas aos espíritos alarmistas e boateiros de plantão, a partir de quinta-feira, 14, tornou-se impossível mascarar a realidade visível, que, se não era tão terrível – afinal, não morria-se aos milhares - tampouco conferia com a versão das autoridades: entre as 18 horas de terça e as 18 horas de quarta-feira 34 pessoas haviam morrido em decorrência da influenza. Outras 24 faleceram sem assistência médica no mesmo período, totalizando 58 óbitos. No Domingo, 17, o Correio do Povo listaria mais 62 mortos nas últimas 24 horas, e, na terça, outros 49 óbitos entre o final da tarde de Sábado e o final da tarde de Domingo – o jornal não circulava às segundas.
Notícias enviadas pelos correspondentes do interior apontavam nos estragos que a espanhola estava causando em Passo Fundo, Santa Maria, Rio Grande, Pelotas, Arroio Grande, Tapes, São Gabriel, Encruzilhada, Carlos Barbosa, Rio Pardo, Taquari, Cruz Alta, Ijuí. Em Quaraí lamentava-se o suicídio do comandante do Sétimo Regimento de Cavalaria, que desferiu um tiro de revólver contra a própria cabeça. O major, informou o correspondente, “se achava doente, atacado de forte neurastenia, tendo ficado muito impressionado com o número de soldados enfermos na unidade que comandava, e ainda pela falta de recursos”. Cacequi, noticiava o jornal, “está transformado num vasto hospital. Há ali um número superior a 150 doentes, não havendo sequer uma pequena farmácia de campanha”. Em cada local a intensidade do surto epidêmico variava de acordo com as condições sanitárias, a densidade populacional e o clima, muito embora praticamente nenhum município do Estado tenha escapado ao flagelo. Confundido inicialmente com o tifo, o vírus mutante da influenza gerava infecções bacterianas e punha em evidência moléstias latentes em cada organismo, afetando em especial os cardíacos, os asmáticos e os fracos de pulmão. A moléstia ia e vinha, com melhoras e recaídas. Para curá-la recomendava-se tão somente o repouso, a assepsia, quinino, purgantes e bons ares.
DE REPENTE ELA FOI EMBORA - Quase tão repentinamente como havia chegado, sem aviso, sem lógica ou explicação, a epidemia rapidamente declinou no final do mês de novembro. No dia 21, Quinta-feira, os diários da Capital já falavam em seu progressivo recuo. A reabertura de muitas lojas no centro, a crescente afluência de transeuntes às calçadas antes desertas, a volta dos rangidos dos bondes e dos apitos dos guardas de trânsito refletiam as estatísticas do Departamento de Higiene – números reais, desta vez: os casos novos eram cada vez mais raros e a mortandade estava em queda livre. O Club Monte Carlos, o Brazil Club e o Clube dos Caçadores voltaram a funcionar. O teatro Apolo apresentava, aqueles dias, em matiné, episódios de a “Garra de Ferro”, em oito atos e, à noite, “uma grandiosa obra americana em sete belíssimos atos: New York.”. Na terça-feira, 26, reabriram suas portas o cine-teatro Coliseu e o Petit Casino. O Hipódromo do Moinhos de Vento também anunciava o retorno das atividades. Na Sexta-feira os jornais noticiaram apenas 8 óbitos e a 3 de dezembro as autoridades informaram não ter conhecimento de novos casos de influenza espanhola. Na mesma data um pequeno anúncio publicado na capa do Correio do Povo atestava o final da tempestade.
“Leitaria
“Previno a minha distinta freguesia que reabri minha leitaria pelo nome Barroza Número 4. O motivo de estar fechada foi meu empregado estar doente”.
Em poucos dias reabriram-se as repartições públicas, os principais colégios chamaram de volta alunos, funcionários e professores, os cafés do centro festejavam a volta da velha clientela e a rua da Praia foi novamente tomada por moças e rapazes ao final do dia. No dia 29 apenas 8 óbitos foram registrados nas últimas 24 horas e, finalmente, a 3 de dezembro, a Diretoria de Higiene afirmou não ter conhecimento de nenhum novo caso da doença - as mortes registradas diziam respeito aos já infectados. Notícias alvissareiras vinham do interior do Estado e, a exemplo do que faziam antes da peste, os jornais direcionavam novamente suas atenções aos informes vindos da Europa, à fuga do Kaiser e a redefinição das fronteiras nacionais no Velho Continente. Os correspondentes do Correio do Povo já expressavam tons de otimismo.
Durante 57 longos dias, sitiada pela doença, a capital gaúcha convivera com a morte de uma maneira jamais observada em sua História. As qualidades dos homens e mulheres, postas à prova, diferenciaram grupos, revelaram aproveitadores e heróis, contrastando à prática real cotidiana as propaladas boas intenções de muitos. Desse jogo de luz e sombra emergiram algumas verdades. “A hespanhola, de súbito, fez-nos ir até essas pobres vítimas da fome e da indigência, quando não no-los trouxe até as nossas portas”, reconheceu a elegante revista Máscara( “Os Nossos Pobres”, 23.11.1918), ao comentar a procissão sombria de homens e mulheres fracos e famintos que vinham dos subúrbios da cidade “com as faces covadas e pálidas, os olhos fundos, se arrastando pelas calçadas”. Foram eles – cidadãos anônimos, desempregados, operários, comerciários, biscateiros, moradores dos bairros São João, Navegantes, Colônia Africana, no Quarto Distrito - as principais vítimas da influenza espanhola.
No tocante ao total de óbitos, a historiadora Janete Silveira Abrão – autora da(infelizmente pouco conhecida) dissertação de Mestrado do curso de pós-graduação em História do Brasil do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica, “Banalização da Morte na Cidade Calada: a Hespanhola em Porto Alegre, 1918(Edipucrs, 1995), tese universitária transformada em livro – observa: “Todavia é impossível precisar as taxas de morbidade e de mortalidade ocorridas, visto que muitos casos não foram notificados pelas autoridades sanitárias”. Oficialmente foram 1316 óbitos em Porto Alegres causados pela influenza, dos quais 1209 na cidade e o restante na zona rural. Ainda segundo as estatísticas oficiais, até 31 de dezembro de 1918 a gripe matara 3971 pessoas em todo o Estado. Somente em Rio Grande morreram 343, em Pelotas 321, em Bagé 191, em Cruz Alta 132 e em Itaqui, 40.
Algo parece certo: são números “chutados” e nunca se soube e jamais se saberá efetivamente o número exato, ou mesmo aproximado, das vítimas causadas pela gripe espanhola de 1918. Dois mil? Quatro mil? Cinco mil? Se as estatísticas oficiais falam em cerca de 70 mil infectados - “talvez abaixo da realidade”, nas palavras de Protásio Alves - e pouco mais de 1300 mortos em todo o município de Porto Alegre podemos, sem temor ao exagero, somar a isso um número impreciso de óbitos não contabilizados que aconteceram longe das vistas das autoridades sanitárias, em casebres, cortiços ou em esquecidas casinhas da zona rural, sem contar os enterros clandestinos – comuns a uma época em que os recém nascidos tornavam-se adultos sem portar qualquer documento. Alia-se a isso o fato de que somente aqueles aos quais os médicos reconheciam a morte em função da epidemia eram inclusos nas listas dos vitimados pela peste, excluindo-se destas quem falecia - de acordo com o ponto de vista médico - de outras causas: doenças cardíacas ou tuberculose, para citarmos dois exemplos que no entanto poderiam ter sua origem no vírus da própria gripe.
Segundo a historiadora, um simples cotejar dos dados oficiais do período demonstra números subestimados: o Livro de Óbitos da Santa Casa de Misericórdia registrou, de 21 de outubro de 1918 a 11 de janeiro de 1919 2420 mortes e o Departamento de Higiene do Rio Grande do Sul contabilizou naquele ano 30.219 falecimentos no Estado. Nos últimos três meses de 1918, aconteceram 12.811 óbitos, dos quais 5840 na Capital. Ainda segundo o Governo, 42% das mortes decorreram de moléstias transmissíveis.
Porém, passado o furacão, no início do verão de 1918/19, poucos queriam voltar os olhos às dores passadas. Epidemias vinham e iam, estar vivo e era o que contava e tentava-se a todo custo recuperar a alegria e o tempo perdidos. A gripe, todavia, ainda não morrera em definitivo. Depois de abandonar Porto Alegre e outras cidades às quais chegara de forma quase simultânea, dirigiu-se em seguida às localidades da Serra e lá fez mais uma nova legião de vítimas. Dela, contudo, já se falara muito, e a ordem era esquecer.
Dava-se início ao período de festas de final de ano. Alinhados no clube do Jocotó e centrados na figura do doutor Mário Totta – médico e bom vivant - com alívio redobrado, homens e mulheres da sociedade portoalegrense reencontrava-se agora nos elegantes saraus do arrabalde da Tristeza. Ali, à beira do Guaíba, embalados por orquestras típicas especialmente contratadas, em meio a barulhentas batalhas de confetes, poucos lembravam da epidemia que, sozinha e silenciosa, em menos de dois meses fizera mais vítimas do que todos os combates da Grande Guerra e causara a todos um prejuízo econômico dificilmente mensurável. Em “Solo de Clarineta”- primeiro volume de suas memórias(1974), Érico Veríssimo recorda:
“Em 1918 a influenza espanhola atirou na cama mais da metade da população de Cruz Alta, matando algumas dezenas de pessoas. Não se dignou, porém, contaminar-me. Lembro-me da tristeza de nossas ruas quase desertas durante o tempo que durou a epidemia, e dos dias de calor daquele dramático novembro bochornoso. Era como se os próprios dias, as pedras, a cidade inteira estivessem amolentados pela febre. A escola achava-se em recesso e eu podia passar dias inteiros a ler romances.(...) Foi durante a influenza em 1918 que li pela primeira vez Eça de Queirós(Os Maias), Dostoiévski(Recordações da Casa dos Mortos e Crime e Castigo).(...) Passada a epidemia a cidade entrou em lânguida e trêmula convalescença.”

Tardiamente, quando tudo parecia encerrado, em janeiro de 1919, a “influenza hespanhola” faria a sua vítima mais ilustre em terras brasileiras: o presidente eleito Rodrigues Alves, que já havia exercido este mandato de 1902 a 1906, período em que incumbiu Osvaldo Cruz de sanear o Rio de Janeiro e livrá-lo da febre amarela, morreu justamente deste mal que vacina nenhuma conseguiu evitar e que em poucos meses matou mais do que todos os combates da Primeira Grande Guerra. A Influenza Espanhola foi a última grande epidemia globalizada com altíssimo poder de contágio e mortandade da História mundial. Para a capital do Rio Grande do Sul teve, ao menos, um efeito benéfico – a partir daí passou-se a dar atenção à qualidade da água servida à população, com a construção de uma grande hidráulica ainda no governo de José Montaury.

segunda-feira, junho 02, 2008

Historiador previu o progresso do bairro

Oficialmente, o Jardim Botânico nasceu no ano de 1959, pela lei número 2022, de autoria do vereador e historiador Ary Veiga Sanhudo. Nesse ano foram oficializados inúmeros outros bairros de Porto Alegre.
A história do Jardim Botânico corre paralela à da avenida Ipiranga e da canalização do riacho Dilúvio, obras que levaram décadas. No passado, toda essa região ribeirinha ao rio, desde a Agronomia até o Beira-Rio, era conhecida como o “Vale do Sabão”, uma área baixa e alagadiça. As constantes inundações do arroio eram um sério problema.
Em seu livro “Crônicas da Minha Cidade”, que parece ter sido escrito na década de 50, o historiador Ary Veiga Sanhudo é profético quando ao futuro promissor da região - “a zona mais próspera da cidade”. Escreveu ele, meio século atrás:
“O bairro São Luiz, como aliás foi por muito tempo conhecido, não apresenta verdadeiramente qualquer notabilidade maior do que as ajardinadas terras do nosso futuro horto botânico. É um lugar de condições modestas e pela circunstância de se achar encravado entre o Riacho e o cerro de Petrópolis, viveu sempre jugulado à sua embaraçante situação de bairro sem uma via própria de acesso com maior desenvoltura. A sua radial, todavia, é a perimetral rua Barão do Amazonas. (...) No entanto, não nos cabe dúvida que, no dia em que as formidáveis laterais do Arroio Dilúvio – avenida Ipiranga – estiverem completamente urbanizadas, propiciando o extraordinário tráfego desse imenso Vale do Sabão, desde a Agronomia até a Beira-Rio, todo este bairro, como os demais quarteirões ribeirinhos, tomarão outro aspecto e constituirão a zona mais próspera da cidade”.
QUERO-QUERO – Há menos de vinte anos, o Correio do Povo (23 de maio de 1987), em matéria da jornalista Magda Wagner, traçava um perfil do JB: “É um bairro tranquilo, de ruas largas, que mais parece uma cidade do interior (...) Em frente ao maior conjunto habitacional do bairro, na rua Felizardo Furtado, nos deparamos com uma inesperada plantação de agrião, reforçando a idéia de que o Jardim Botânico é, no mínimo, um bairro diferente. Os quero-queros, ave típica dos descampados, proliferam no bairro, alimentados pelas folhas de agrião.”
Antes de ser Vila São Luiz, o JB chamava-se Vila Russa, o que é explicado pela presença de imigrantes russos que chegaram aqui no início do século passado, instalando-se na parte alta, do outro lado da hoje avenida Doutor Salvador França.

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domingo, junho 01, 2008

Os novos tempos da rua Itaboraí

Havia décadas os moradores do Jardim Botânico reivindicavam a abertura da rua Itaboraí, via que corta o bairro no sentido oeste a leste, ligando a parte baixa à parte alta. No dia 13 de março do ano passado, graças à construtora Rossi - que está levantando ali o imponente condomínio Allure - a Itaboraí foi, finalmente e rapidamente, aberta e asfaltada. Aquela sinuosa, perigosa e escura picada que passava defronte ao bar do seu Rui Cintra (e do supermercado Gecepel, da Guilherme Alves) hoje é uma via com grande trânsito de pedestres e de veículos. É a iniciativa privada fazendo o que o Poder Público não foi capaz de fazer em tantos anos.